Venire Contra Factum Proprium - A vedação ao comportamento contraditório
- rbsconcursos
- 9 de set. de 2024
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Atualizado: 29 de jun.

O princípio do venire contra factum proprium, também conhecido como proibição de comportamento contraditório, é uma figura essencial no campo da boa-fé objetiva e tem sido amplamente aplicado pela jurisprudência e doutrina contemporânea. Esse princípio visa proteger a confiança legítima gerada em uma das partes em função de um comportamento prévio da outra, impedindo que esta adote posteriormente uma conduta oposta ao que havia inicialmente demonstrado. Em outras palavras, é vedado que uma parte aja de forma contrária ao comportamento que anteriormente levou a outra a confiar na sua manutenção.
O Que é o Venire Contra Factum Proprium?
A expressão venire contra factum proprium pode ser traduzida como "vir contra os próprios atos", referindo-se à proibição de que alguém atue de maneira contraditória em relação a uma conduta anterior, especialmente se essa conduta gerou confiança legítima na outra parte. Na prática, o princípio impede que uma pessoa, após adotar determinado comportamento ou criar uma expectativa legítima em outro, mude sua conduta de forma surpreendente e incoerente.
O venire contra factum proprium está intimamente ligado à boa-fé objetiva, sendo uma de suas manifestações (conceito parcelar da boa-fé objetiva) mais relevantes no contexto das relações contratuais. Ele pressupõe que as partes devem manter coerência em suas ações, garantindo que as expectativas criadas a partir de comportamentos prévios sejam respeitadas, sob pena de violação da confiança depositada.
Características do Venire Contra Factum Proprium
Para que o princípio do venire contra factum proprium seja aplicado, é necessário observar alguns requisitos essenciais. Esses elementos ajudam a delimitar a aplicação do instituto e garantem que não seja utilizado de forma indiscriminada. Os principais requisitos são:
1. Comportamento Inicial (Factum Proprium): O primeiro passo é a existência de um comportamento inicial, uma conduta adotada por uma das partes que leva a outra a acreditar que aquele comportamento será mantido. Essa ação pode ser comissiva (um ato) ou omissiva (a falta de ação) e deve ser lícita, ou seja, não pode se tratar de uma conduta ilegal.
2. Geração de Expectativa Legítima: O comportamento inicial deve gerar uma expectativa legítima na outra parte. Isso significa que a parte prejudicada deve acreditar, de forma razoável, que a conduta inicial será mantida, e com base nessa crença, agir de acordo com essa expectativa.
3. Comportamento Contraditório: Posteriormente, a mesma parte adota um comportamento contraditório, ou seja, uma conduta que vai contra o que havia demonstrado anteriormente. Essa nova atitude quebra a expectativa legítima da outra parte e causa uma surpresa negativa, prejudicando os interesses daquele que confiou na conduta anterior.
4. Dano ou Potencial Dano: O comportamento contraditório deve causar dano ou ter o potencial de causar prejuízos, sejam eles materiais ou morais. O dano pode ocorrer diretamente pela mudança de conduta, ou de forma indireta, como a perda de oportunidades ou a exposição ao risco.
Exemplo Prático: Aplicação em Decisões Judiciais
A aplicação do princípio do venire contra factum proprium tem sido recorrente nos tribunais brasileiros, especialmente quando se trata de relações comerciais e contratuais. Um exemplo clássico envolve contratos de prestação de serviços financeiros, onde uma administradora de cartão de crédito aceitava, por um período, pagamentos em atraso e, repentinamente, alterou sua postura, rescindindo o contrato e negativando o nome do cliente. O Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou o venire contra factum proprium, considerando que a administradora, ao aceitar repetidamente o pagamento com atraso, criou no cliente a expectativa de que essa prática seria mantida, não podendo depois agir de forma contrária sem aviso prévio.
Esse princípio também foi aplicado em casos de compra e venda de imóveis. Em uma situação, uma vendedora que não havia exigido valores adicionais no momento da quitação de um imóvel, posteriormente, tentou cobrar um montante exorbitante, contrariando a quitação prévia sem ressalvas. O Tribunal entendeu que a conduta da vendedora violava o princípio da confiança legítima criada no comprador, configurando o venire contra factum proprium.
A Importância do Venire Contra Factum Proprium
O princípio do venire contra factum proprium é de extrema importância para o equilíbrio e a segurança jurídica nas relações contratuais. Ele protege as partes de comportamentos arbitrários e contraditórios, promovendo a estabilidade das relações e a confiança mútua.
No contexto contemporâneo, onde a velocidade e a flexibilidade dos negócios muitas vezes podem induzir a comportamentos inesperados, o venire contra factum proprium atua como um freio ao oportunismo e ao abuso de direito. Ele impede que uma parte, após criar expectativas legítimas na outra, altere sua conduta de forma prejudicial, promovendo um ambiente de confiança e previsibilidade.
Além disso, o princípio tem grande valor para a função social dos contratos, pois ao proibir comportamentos contraditórios, garante que as relações contratuais sejam conduzidas com transparência e lealdade, refletindo os valores éticos que a boa-fé objetiva busca
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