Assédio moral no trabalho: O que é, o que não é, e por que a distinção importa para as empresas
- Rodrigo Bezerra

- 6 de dez.
- 4 min de leitura

Embora o ambiente de trabalho seja, por natureza, um espaço de cobrança, metas e exigências legítimas, é nele também que surgem condutas abusivas cujas fronteiras muitos empregadores ainda não compreendem com clareza. Quando se ignora a linha que separa a gestão firme do comportamento humilhante, abre-se espaço para o fenômeno do assédio moral, que, nas últimas décadas, passou a ser reconhecido pela doutrina, pelos tribunais e pela legislação como uma das principais causas de adoecimento laboral. Ainda que muitas empresas acreditem tratar-se de um problema isolado, a realidade é que o assédio moral reflete falhas estruturais de gestão e impactos profundos na saúde organizacional.
Porque a necessidade de distinguir o que é assédio moral do que não é tornou-se imperativa, convém iniciar pela própria definição. Segundo a renomada professora Margarida Barreto, pioneira no estudo do tema no Brasil, o assédio moral consiste em um conjunto de práticas repetitivas que visam humilhar, desestabilizar emocionalmente ou diminuir a dignidade do trabalhador, criando um ambiente hostil, inseguro e degradante. A leitura de sua obra revela que o dano é cumulativo e progressivo, embora possa surgir também de atos isolados quando carregados de extrema violência simbólica. Contudo, para além das concepções acadêmicas, o Tribunal Superior do Trabalho tem adotado entendimento semelhante, compreendendo o assédio moral como condutas reiteradas que ultrapassam o mero exercício regular do poder diretivo. No julgamento do RR 1125-38.2012.5.04.0022, por exemplo, a Corte reconheceu o assédio moral praticado contra uma trabalhadora que era alvo constante de humilhações públicas, ressaltando que a dignidade da pessoa humana é um valor jurídico indisponível no ambiente laboral.
Enquanto isso, é igualmente importante esclarecer o que não configura assédio moral. Embora algumas críticas ou cobranças possam causar desconforto, não se qualificam como assédio moral as condutas inerentes à atividade empresarial, como advertências proporcionais, avaliações de desempenho, exigência de metas razoáveis ou o exercício disciplinar da autoridade, desde que pautados na impessoalidade, no respeito e na proporcionalidade. Quando o gestor, valendo-se de critérios objetivos, corrige falhas ou estabelece diretrizes, não pratica assédio, mas cumpre seu dever. Todavia, quando a crítica se torna repetitiva, pessoal, depreciativa ou é empregada como mecanismo de medo e intimidação, cruza-se a fronteira do lícito para o abusivo. Como adverte o jurista Maurício Godinho Delgado, a prática de assédio moral nasce quando se substitui o diálogo pela humilhação e o controle pela violência simbólica.
Não obstante muitos empresários acreditarem que o assédio moral é sempre explícito, pesquisas demonstram que boa parte das agressões ocorre por vias sutis, em comportamentos que, à primeira vista, parecem inofensivos. Dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho revelam que mais de 30 por cento dos afastamentos por transtornos emocionais relacionados ao ambiente de trabalho decorrem de situações de violência psicológica, ainda que não declarada. Em diversas situações, o assédio surge por meio de silenciosas microagressões, como ignorar o trabalhador, atribuir tarefas humilhantes, sabotar sua imagem perante colegas ou isolar a pessoa no ambiente laboral. Embora esses comportamentos possam parecer pequenos quando vistos isoladamente, é a repetição insistente que produz danos profundos. O TST já reconheceu esta sutileza no julgamento do RR 2028-13.2012.5.02.0384, quando entendeu que a exclusão sistemática de uma trabalhadora das reuniões e decisões da empresa constituía forma de assédio moral, ainda que sem insultos diretos.
Posto que a legislação trabalhista brasileira não traga, até o momento, uma definição legal de assédio moral, o ordenamento jurídico oferece diversos instrumentos de proteção. A Constituição, em seu artigo 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e, no artigo 7º, assegura um ambiente de trabalho saudável. O Código Civil, por sua vez, impõe responsabilidade civil por danos morais decorrentes de condutas ilícitas, e a Lei 14.457/2022 introduziu a obrigatoriedade de programas de prevenção ao assédio nas empresas, incluindo treinamento de lideranças e mecanismos internos de denúncia. A despeito de tais avanços, é a jurisprudência que tem desempenhado papel decisivo na consolidação do conceito, aplicando princípios constitucionais e normas gerais para enquadrar o assédio moral como violação à dignidade, à integridade psíquica e ao direito ao trabalho saudável.
Quando se avaliam as consequências práticas do assédio moral para a empresa, percebe-se que os danos ultrapassam o aspecto jurídico. Além de responder civilmente, com indenizações que variam entre cinco e cento e cinquenta salários, conforme critérios fixados pelo TST, a empresa sofre redução de produtividade, aumento de rotatividade, desgaste da imagem institucional e queda significativa do engajamento interno. Estudos da Harvard Business Review apontam que equipes expostas a ambientes hostis apresentam queda média de trinta por cento no desempenho e maiores índices de absenteísmo. A empresa que tolera o assédio moral, ainda que por omissão, mina sua própria sustentabilidade corporativa e compromete a permanência de talentos.
Para tornar visível essa diferença entre condutas legítimas e abusivas, é útil que o empresário reflita sobre situações concretas. Entre comportamentos que frequentemente configuram assédio moral, destacam-se:
• humilhações públicas reiteradas;
• cobranças com insultos ou apelidos pejorativos;
• isolamento deliberado do trabalhador;
• retirada injustificada de responsabilidades para desqualificação;
• exposição vexatória do empregado perante colegas;
• difusão de boatos ou ataques à honra profissional.
Ao contrário, quando o gestor corrige falhas com respeito, estabelece metas proporcionais ou reorganiza setores com fundamento técnico, não há assédio moral, mas sim exercício regular do poder de direção. Assim, a empresa que deseja proteção jurídica deve, antes de tudo, cultivar clareza conceitual, pois prevenir é sempre mais inteligente do que indenizar.
Embora muitos conflitos internos surjam de falhas de comunicação, é no desconhecimento conceitual que reside a maior parte dos litígios. Quando a empresa não estabelece limites claros, não capacita líderes e não cria mecanismos de denúncia seguros, transforma-se em ambiente propício para abusos. Conquanto a prevenção demande algum investimento, seus custos são irrisórios se comparados ao impacto financeiro, humano e reputacional de uma condenação judicial.
A compreensão exata do que é e do que não é assédio moral representa, portanto, uma medida de governança indispensável para empresas modernas, especialmente aquelas que pretendem crescer de forma sustentável e juridicamente segura. Onde há clareza conceitual e políticas internas sólidas, há menos litígios, menos afastamentos e maior produtividade. E quando a postura preventiva é adotada pela alta gestão, o ambiente de trabalho transforma-se em espaço de respeito, profissionalismo e estabilidade.
O Rodrigo Bezerra Advocacia está preparado para auxiliar empresas na prevenção e no enfrentamento de casos de assédio moral, oferecendo consultoria jurídica, implementação de políticas internas e treinamento de gestores para garantir ambientes de trabalho saudáveis, produtivos e juridicamente seguros.
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